2. Características Gerais dos Vírus

A virologia, ramo da ciência que estuda os vírus, teve seu início apenas no final do século XIX. Mesmo antes da descoberta desses seres ultramicroscópicos, já se supunha a sua existência, com o reconhecimento de agentes infecciosos capazes de atravessar filtros que retinham bactérias. Em 1892, Iwanowski aplicou este teste a um filtrado de plantas que sofriam da doença do mosaico do tabaco e obteve resultados surpreendentes, este filtrado ainda era capaz de produzir a doença original em novos hospedeiros.

Quando repetido, as filtrações produziram os mesmos resultados e nada podia ser visto ao microscópio, nem podia ser cultivado a partir dos filtrados. Iwanowski e colaboradores concluíram que haviam descoberto uma nova forma patogênica de vida, que chamaram de “vírus”. Os vírus, cujo nome vem do latim e significa 'veneno' ou 'fluido venenoso', são hoje considerados seres vivos pela grande maioria dos cientistas. Mas não são inseridos em nenhum dos cinco reinos descritos, por apresentarem certas características, como a de não possuírem organização celular.


2.1 - Características gerais dos vírus

Os vírus são visíveis apenas ao microscópio eletrônico, eles são muito menores do que as bactérias e pouco maiores do que as macromoléculas proteicas, seu tamanho varia de 15 a 350 nm (Fig.1). constituídos basicamente por uma cápsula de natureza proteica em cujo interior existe apenas um tipo de ácido nucléico: DNA ou RNA. Destituídos de membrana plasmática, hialoplasma, organelas citoplasmáticas e núcleo, esses seres não possuem organização celular. Além disso, não apresentam metabolismo próprio e permanecem inativos quando fora de células vivas, podendo até mesmo formar cristais.

Reproduzem-se apenas no interior de células vivas, parasitando plantas, animais e microrganismos diversos, como bactérias . Penetrando em uma delas, os vírus reproduzem-se em seu interior, utilizando a energia e o equipamento bioquímico da célula hospedeira, por isso, são considerados parasitas intracelulares obrigatórios.

Figura 1 - Ilustração comparando o tamanho de diferentes tipos virais com uma bactéria (E. coli ) e com uma hemácia humana.

Estruturas virais

Dentre os vários grupos de vírus existentes, não existe um padrão único de estrutura viral. Mas de um modo geral, são compostos por um material genético, que carrega as informações suas gênicas, este material genético pode ser de DNA ou RNA. Envolvendo o material genético viral temos uma capsula proteica chamada de capsídeo. Algumas tipos virais apresentam ainda uma membrana biológica, de origem da célula hospedeira, que envolve todo o vírus (Fig.2).

Figura 2: Diferentes tipos virais, uns apresentando membranas biológicas outros apresentando sua estrutura clássica.

2.2. Classificação taxonômica dos vírus

Como vimos anteriormente os vírus não se enquadram em nenhum dos 5 reinos dos seres vivos, por isso eles são classificados à parte. seguindo uma regra particular de classificação. Vírus não são agrupados em Domínio, Reino, Filo ou Classes. Desta maneira, a estrutura geral da taxonomia dos vírus é a seguinte:

Ordem (-virales);

Família (-viridae);

Subfamília (-virinae);

Gênero (-virus);

Espécie.

A nomenclatura para ordens, famílias, subfamílias e gêneros é sempre precedida pelos sufixos apresentados acima. Já a nomenclatura de espécies não possui um padrão universal.

2.3. Morfologia viral

Os vírus podem ser classificados em vários tipos morfológicos diferentes, com base na arquitetura do capsídeo e o tipo de ácido nucléico.

2.3.1. Capsídeos

Vírus helicoidais

Os vírus helicoidais assemelham-se a longos bastonetes que podem ser rígidos ou flexíveis. O ácido nucleico viral é encontrado no interior de um capsídeo oco e cilíndrico que possui uma estrutura helicoidal. Os vírus que causam raiva e a febre hemorrágica Ebola são helicoidais (Fig3A).


Vírus poliédricos

Muitos vírus animais, vegetais e bacterianos são poliédricos, isto é, têm muitas faces. O capsídeo da maioria dos vírus poliédricos tem a forma de um icosaedro, um poliedro regular com 20 faces triangulares e 12 vértices. Os capsômeros de cada face formam um triângulo equilátero. O adenovírus é um exemplo de um vírus poliédrico com a forma de um icosaedro. O poliovírus também é icosaédrico (Fig. 3B).


Vírus envelopados

Como mencionado anteriormente, o capsídeo de alguns vírus é coberto por um envelope. Os vírus envelopados são relativamente esféricos. Quando os vírus helicoidais e os poliédricos são envoltos por um envelope são denominados vírus helicoidais envelopados ou vírus poliédricos envelopados. Um exemplo de um vírus poliédrico (icosaédrico) envelopado é o vírus do herpes humano (Fig. 3C).


Vírus complexos

Alguns vírus, particularmente os vírus bacterianos, têm estruturas complicadas e são chamados de vírus complexos. Um bacteriófago é um exemplo de um vírus complexo. Alguns bacteriófagos possuem capsídeos com estruturas adicionais aderidas (Fig. 3D). Nesta figura (Fig. 3D), observe que o capsídeo (cabeça) é poliédrico e a bainha da cauda é helicoidal. A cabeça contém o genoma viral. Adiante neste capítulo, discutiremos as funções de outras estruturas, como a bainha da cauda, as fibras da cauda, a placa basal e o pino. Outro exemplo de vírus complexo são os poxvírus, que não têm capsídeos claramente definidos, mas apresentam vários envoltórios em torno do ácido nucleico viral.

2.3.2. Tipos de Ácidos Nucléicos

Ao contrário das células, que apresentam genoma constituído por DNA e RNA, os vírus possuem DNA ou RNA como material genético. Ao contrário das células procarióticas e eucarióticas, nas quais o DNA é sempre o material genético principal (o RNA tem um papel auxiliar), os vírus podem possuir tanto DNA como RNA, mas nunca ambos. O ácido nucleico dos vírus pode ser de fita simples ou dupla. Assim, existem vírus que apresentam o familiar DNA de dupla-fita (DS - double stranded), DNA de fita simples (SS - single stranded), RNA de dupla-fita (DS) e RNA de fita simples (SS). Dependendo do vírus, o ácido nucleico pode ser linear ou circular. Em alguns vírus (como o vírus da gripe), o ácido nucleico é segmentado (Fig. 4) .

A - vírus helicoidais

B - Vírus Poliédricos

C - Vírus Poliédrico envelopado

D - Vírus complexo

Figura 3 - Tipos de capsídeos virais.

Figura 4 - Tipos de Nucleotídeos virais.

2.3.3. Multiplicação Viral

Como já mencionado anteriormente, vírus são parasitas intracelulares obrigatórios, pois necessitam do ambiente intracelular de um organismo vivo para se reproduzir. Ao processo de reprodução de um vírus dá-se o nome de replicação viral. O tempo de duração do ciclo de replicação viral varia entre as diversas famílias de vírus, podendo levar poucas horas ou até dias. Esta seção apresentará as etapas envolvidas num ciclo de replicação viral, focado principalmente em vírus que infectam animais. De uma maneira geral, a replicação pode ser dividida em 7 etapas:

Figura 5: Visão geral de um ciclo de replicação viral hipotético: 1.Adsorçã; 2. Entrada; 3. Desnudamento; 4. Transcrição e tradução; 5. Replicação do genoma; 6. Montagem; e 7. Liberação.

Adsorção

1 - Após uma colisão ao acaso entre as partículas virais e da célula hospedeira, ocorre a adesão, ou adsorção. Durante esse processo, um sítio de adesão no vírus liga-se ao sítio do receptor complementar na célula hospedeira. Essa ligação consiste em uma interação química, na qual se formam ligações fracas entre o sítio de adsorção e o receptor celular. * Os receptores complementares estão na parede da célula bacteriana (Fig.5).

Penetração

2 - Após a adsorção, os vírus adentram a célula de diversas formas:

  • Endocitose: Após a adsorção, a partícula viral pode penetrar no citoplasma por meio de um processo denominado endocitose mediada por receptores, pela formação de endossomos (vesículas). Quando um vírus entra por endocitose, o seu vírion encontra-se envolto pela membrana vesicular. Vírus envelopados liberam os nucleocapsídeos de dentro dos endossomo promovendo a fusão entre o envelope viral e a membrana da vesícula. Já os vírus não envelopados, por não possuírem envelope, utilizam outras estratégias para sair dos endossomos: alguns, como os adenovírus, provocam a lise do endossomo, enquanto outros, como os poliovírus, geram poros na membrana vesicular e injetam o genoma viral diretamente no citossol.

  • Fusão: Neste mecanismo, executado apenas por vírus envelopados, o nucleocapsídeo é liberado no interior da célula mediante a fusão entre o envelope viral e a membrana celular. A entrada por fusão pode ocorrer de duas formas: direta, pela fusão do envelope viral com a membrana plasmática, a partir do meio extracelular, ou indireta, sofrendo uma endocitose inicial com posterior fusão já no interior da célula, como citado anteriormente;

  • Translocação: por meio da ação de uma proteína receptora, o vírion pode atravessar a membrana por meio de translocação, do ambiente extracelular para o citosol. Este mecanismo é raro e pouco entendido.

Desnudamento viral

3- Após a entrada o vírus o capsídeo se desintegra librando seu DNA (ácido nucleico) dentro da célula hospedeira (Fig.5).

Replicação, transcrição e tradução

4 e 5 - Como mencionado anteriormente, os vírus apresentam diferentes mecanismos de transcrição para sintetizar mRNA a partir dos seus variados tipos de material genético. Os vírus podem ter genoma constituído por DNA-DS, DNA-SS, RNA-DS, RNA-SS, além de alguns serem capazes de realizar a transcrição reversa, como o HIV. Outra propriedade notável dos ácidos nucleicos virais é a polaridade (sentido, ou senso) das fitas de DNA e RNA. Fitas senso positivo (+) apresentam sequência idêntica à do mRNA, enquanto as senso negativo (-) apresentam sequência nucleotídica complementar. Diante desta complexidade de características, as estratégias de transcrição do genoma viral são tão variadas quanto os mecanismos de entrada, e podem envolver mais de uma etapa, as quais levam à conversão da informação genética viral em mRNA (Fig.5).

Maturação

6 - Durante esse processo, vírions completos são formados a partir do DNA e das proteínas formadoras dos capsídeos. Os componentes virais se organizam espontaneamente para formar a partícula viral, eliminando, assim, a necessidade de muitos genes não estruturais e de outros produtos gênicos (Fig.5).

Liberação

7 - A liberação dos vírions do citosol pode se dar por lise celular ou brotamento. A liberação por lise celular é mais comum aos vírus não envelopados, e ocorre quando a membrana plasmática da célula infectada se rompe, levando-a morte celular. Porém, nem todo processo de liberação viral causa danos a célula hospedeira. O brotamento é um mecanismo de liberação que pode provocar pouco ou nenhum prejuízo à célula. Vírus que obtém envelope a partir da membrana plasmática saem da célula por meio de brotamento direto do nucleocapsídeo em contato com a face interna da membrana, em regiões específicas, onde se localizam as glicoproteínas virais sintetizadas em momentos prévios da infecção. Vírus com envelope originado de compartimentos intracelulares (organelas) são liberados da célula por meio de vesículas que se fundem com a membrana plasmática. Após a liberação, quando os vírions se encontram no meio extracelular, a maioria deles permanece inerte até que outra célula hospedeira seja infectada, reiniciando o ciclo de replicação viral (Fig.5).

Créditos da imagens:

Botão de entreda: <a href="https://pt.vecteezy.com/fotos-gratis/virus">Virus Fotos de banco de imagens por Vecteezy</a>

Cabeçalho: <a href='https://www.freepik.com/photos/medical'>Medical photo created by kjpargeter - www.freepik.com</a>

Figura 2: <a href="https://pt.vecteezy.com/vetor-gratis/monstro">Monstro Vetores por Vecteezy</a>

Figura 3 : <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Enveloped_icosahedral_virus.svg">Nossedotti (Anderson Brito)</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0">CC BY-SA 3.0</a>, via Wikimedia Commons

Figura 5: <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Virus_replication.svg">Nossedotti (Anderson Brito)</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0">CC BY-SA 3.0</a>, via Wikimedia Commons